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Barbara Freitas - A mulher que alia sensibilidade e firmeza.



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Estamos compartilhando a alegria de poder ouvir mais uma história carregada de sensibilidade, emoção e firmeza. Tudo em uma mesma trajetória! Mais uma entrevistada no “Mulher que faz”, mulher que faz a diferença por ser quem ela é. Ao longo das minhas experiências com essas mulheres, tenho percebido o quanto é gratificante poder ouvir e registrar tantas narrativas carregadas de ensinamentos e aprendizados.

Veranice: Eu sei que é Barbara Freitas, mas você pode nos falar seu nome completo?

Barbara: Barbara Rodrigues de Freitas Amaral.

Veranice: Nome de artista (KKK)

Barbara: Barbara sem assento...

Veranice: Barbara, nos conta um pouco sobre sua origem. Você é daqui de Sete Lagoas, de Prudente...? Como é isso? (Risos)

Barbara: Bom, Prudente não tem maternidade (risos), da minha época praticamente todo mundo é de Sete Lagoas ou de Matozinhos. Então eu nasci aqui e morei na EMBRAPA até os 06 anos. A minha primeira infância e a metade da segunda foram na área rural. O que tem destaque muito relevante na minha ligação com a natureza, com as coisas mais miúdas, em função de uma infância que foi livre.

Veranice: E foi no Campo de Algodão?

Barbara: É... foi no campo de Algodão.

Veranice: Porque eu sou da EMBRAPA “do lado de lá”.


Nota: O espaço físico onde se encontra a Embrapa Milho e Sorgo, na cidade de Sete Lagoas, anteriormente era o Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Centro-Oeste (IPEACO) e a Estação Experimental de Sete Lagoas ( O Campo de Algodão). Ou seja, eram duas áreas distintas divididas pela rodovia MG 424 entre Sete lagoas e Prudente de Morais.


Barbara: Na minha época ir para Prudente era uma viagem, hoje a gente vai a pé fazendo uma caminhada, então, eu nasci e fui criada ali. Com seis anos mudei para Prudente e estou lá até hoje.

Veranice: Então sua infância foi maravilhosa como a minha!

Barbara: Foi. Foi maravilhosa.... E outra coisa, detalhe, coisas que hoje são comuns para a gente era novidade, né? (Risos)

Veranice: Tipo o que, por exemplo? (Risos)

Barbara: Não tinha pão de sal lá, o que tinha todo dia era fatia, então o pão de sal... assim, alguém foi “na cidade” (Sete Lagoas ou Prudente) e trouxe.

Veranice: Que delícia!!

Barbara: Hoje a fatia é novidade.

Veranice: Porque dá trabalho (Risos)

Barbara: As coisas que hoje eu luto para ter no meu dia a dia, na minha infância era natural.

Veranice: E você vem de uma família grande, pequena...?

Barbara: Meu pai tinha doze irmãos, uma das primeiras famílias de Prudente. Eu pesquisei um pouco sobre meu sobrenome. O “Freitas” vem de tropeiros que habitavam ali na região de Lagoa Santa. Provavelmente veio um braço e ficou ali em Prudente. Na época em que meus avós, que não conheci, vieram, era uma fazenda. Minha mãe é de Sete Lagoas, de uma família de seis irmãos, então venho de uma família grande, mas a minha mesmo é pequena.

Veranice: Sua família de origem...

Barbara: Sim. Sou eu e mais um irmão.

Veranice: Veio de uma família grande e encurtou... (Risos)

Barbara: Encurtou. Mas apesar das famílias serem relativamente grandes, só tivemos convivência na infância, mas depois que todo mundo cresceu, a "primaiada" cresceu... a gente não...

Veranice: Não conviveu...

Barbara: Não. Não tem o hábito de visitar... encontra em velório ou em casamento (Muitos risos)

Veranice: Risos

Barbara: Sabe? E tá tudo bem? Sem cobranças, mas eu não tenho tios, primos frequentando...

Veranice: Essa proximidade...

Barbara: Não, não tem.

Veranice: E você estudou em Prudente?

Barbara: Eu estudei na EMBRAPA. Entrei com 2 anos, era tipo um berçário. Estudei lá até a terceira série, na época era chamado assim. Lá não tinha quarta série, então a gente tinha que vir para Sete Lagoas para estudar.

Veranice: A escola da EMBRAPA é uma só, a do outro lado.

Barbara: Sim. Hoje não existe mais, né?

Veranice: Não existe. Eu também estudei lá até a terceira série (Risos)

Barbara: Nós temos muito em comum então... (Risos)

Veranice: Estou achando muito bom isso!

Barbara: O que me ensinaram sobre alimentação reflete em minha vida ainda hoje, é muito forte. Porque mesmo sendo criança, na escola tínhamos a horta, plantávamos, a maioria das coisas era de lá mesmo. Tínhamos as aulas para regar a plantinha e depois ela ia para a panela, eu cresci com essas questões muito forte, fruta no pé... essas coisas.

Veranice: Nossa Senhora, tudo de bom! Sem preocupar com agrotóxico, correr de marimbondo... tudo isso era normal... (Risos)

Barbara: Normal, coisa natural (Risos)

Barbara: Como lá não tinha quarta série, eu vim para o Artur Bernardes. Era o Arthur ou o Ulisses, eu fiquei torcendo, “tomara que seja aquela escola com aquela escada maravilhosa”. E foi.

Quando finalizei a quarta, fui para o Regina Pacis, uma escola particular, e lá fiquei até o segundo ano do ensino médio.

Veranice: E o terceiro?

Barbara: No terceiro eu engravidei. Na época meu pai me acolheu e tal, veio uma doença também, superamos, mas ele disse que não pagaria uma escola pra eu formar. E eu pensei que já tinha estudado até o segundo, não era possível que não teria a oportunidade de fazer um vestibular bem feito. Então minha mãe me colocou no Colégio Industrial, fiz o último ano e fui para a faculdade.

Veranice: Quando você foi para a escola estadual, você já tinha seu bebê ou estava grávida?

Barbara: Estava grávida. Tive ele no meio do ano... Fiquei um mês e meio ou dois meses, não me lembro, sem frequentar as aulas, coincidiu com as férias também... mas aí eu consegui terminar, apesar da dificuldade que tinha.

Veranice: Que força, né?

Barbara: É... tipo assim, na época era aquilo que eu tinha que fazer, não tinha esse raciocínio de hoje: “Nossa estou superando muita coisa”. Era aquilo que eu tinha que fazer!

Veranice: Esse “negócio” de superação surgiu foi hoje, né?

Barbara: Eu acho...

Veranice: Na atualidade muitas vezes o normal vira espetacular.

Barbara: É... Exatamente

Veranice: E isso tudo dentro de um padrão de criação “conservador”. Seu pai te acolheu, dentro do posicionamento dele de que: “Agora vai ser mãe e eu não me envolvo mais com escola”. Você foi lá e formou.

Barbara: Porque eu sempre amei estudar, né?

Veranice: Ah!!! Eu ia perguntar isso.

Barbara: Eu nunca fui a nota “100”, mas também nunca fui a “60”.

Veranice: Entendi...

Bárbara: Eu acho que a minha visão da escola era muito mais orgânica, do que “ter que passar no vestibular”, entendeu? Eu não foquei em “eu tenho que passar, focando em profissões específicas”.

Veranice: Entendi. Você não foi números?

Barbara: Não, não fui... fui a aluna das apresentações, dançar lá na frente, você entendeu? Eu fui isso (Sorriso e brilho nos olhos)

Veranice: Quanto isso faz falta...Você foi a aluna que gostava de estudar e ir à escola. Viver a experiência em si. Legal! Já pegando um gancho, você fez vestibular para qual curso?

Barbara: Meu sonho era fazer farmácia, antes de engravidar. Duas coisas que eu queria na vida era fazer farmácia em Ouro Preto, pois meu pai trabalhava em laboratório e o que eu convivi na infância, os tubos de ensaios, os vidros era surreal.

E assim que eu pudesse queria comprar um carro vermelho (Risos), porque? Não sei.... (Risos)

Veranice: Eu já ia perguntar o motivo (Risos)

Barbara: Porque eu acho que esta era a minha visão de mulher bem sucedida, assim, talvez eu tivesse uma referência, mas não me recordo.

Mas, a vida me levou para outro lugar. Aqui em Sete Lagoas só tinha FEMM, não tinha mais nenhuma outra faculdade. Eu não podia sair para estudar fora, porque estava com filho pequeno. Meus pais assumiram a mensalidade. Entre todas as matérias eu decidi fazer ciências. No meio do curso, o MEC mudou de ciências para matemática.

Veranice: Oi??? (Risos)

Barbara: É. Foi uma transição.

Veranice: Que isso Barbara?!

Barbara: Meu curso que era de três anos foi para quatro anos. Eu estudei e formei matemática com habilitação em ciências.

Veranice: A vida te pegou e jogou nas exatas.

Barbara: Exatamente (Risos)

Veranice: Que louco. Em que ano foi isso?

Barbara: Eu formei em 2001, comecei estudar em 98.

Veranice: O Ministério da Educação e Cultura resolveu e mudou sua vida...

Barbara: Foi na época, mudou também o curso de Estudos Sociais, teve umas mudanças no curriculum e a gente estava no meio do caminho, não tinha opção.

Veranice: Então, queria fazer farmácia, depois começou a fazer ciências, o MEC te jogou para exatas.

Barbara: E Depois quando comecei a trabalhar, eu vi que sou totalmente de humanas.

Veranice: Eu não tenho dúvida. (Risos)

Barbara: Né? (Risos).

Veranice: Isso fez ou faz diferença na sua vida?


Barbara: Eu acho que fez, porque o desenvolvimento da gente na matemática exige um raciocínio aprimorado em algumas áreas, eu não sei traduzir isso cientificamente, mas eu vejo uma diferença, por exemplo, quando fiz entrevista de emprego, seleções para alguns testes, eu sobressaía porque tinha um raciocínio lógico mais claro.


Veranice: As pessoas que são da área de exatas possuem uma facilidade para pensar objetivamente e mais rápido nesse particular. Quem é de humanas, viaja muito, detém em detalhes... fica ali parado sonhando, e não é que seja algo bom ou ruim, são características. Estou pensando aqui, a vida te levou a desenvolver os dois lados.


Barbara: Sim. Depois que eu fiz vinte anos descobri que gostava de escrever e ler. Na verdade, comecei a ler obras literárias com quinze e ninguém da matemática lia. Depois dos vinte anos eu vi que poderia escrever poema, poesia, crônicas.

Veranice: Que bacana!! Então fala um pouco sobre isso para nós.

Barbara: Então, as referências são as da infância. Porque mesmo tendo mudado para uma cidade, Prudente, que na época, e ainda hoje, tem uma característica de cidade...

Veranice: Interiorana?

Barbara: Isso, bem interiorana. Minha casa, por exemplo, tinha um quintal enorme... dois lotes, tinha árvores e tal, as referências eram essas, desse contato com a natureza. Eu li Manoel de Barros e fiquei apaixonada, não li todo o livro, lia trechos.

Veranice: Isso com quinze anos?

Barbara: Depois de vinte. Eu ficava assim: “como aquele homem pode ver assim uma árvore e descrever tão bem as características e o que acontece?”. Apesar disto, eu via um sentido lógico pra aquilo, sabe?

Veranice: Olha a matemática!!

Barbara: Aí já vem a matemática. Li outros autores que também tinham essa “pegada” para as coisas naturais, Manoel de Barros, Cecília Meireles, Guimarães Rosa. O Guimarães eu lia pouco, porque é uma leitura muito difícil; li também Rubem Alves que fala muito sobre o contato com a pausa, com essa observação. E eu trouxe isso para a escrita. Comecei escrever crônicas mesmo, hoje eu identifico minha escrita como prosa poética, que são textos curtos que conta uma historinha como se fosse um bate papo, mas são coisas da minha observação e tem essas características da minha infância.

Veranice: Entendi. E você tem esses registros? Um livro... como são seus arquivos?

Barbara: Eu tinha no computador, comecei a publicar um tempo atrás no Recanto das Letras. Publiquei alguma coisa no Instagram, depois tirei porque estava misturando muito as coisas lá, tem essa questão da identidade.

Veranice: Sim, entendo.

Barbara: Eu tenho até vontade de fazer um e-book, alguma coisa mais prática que associe com a fotografia que também é essa questão minha, que tem essa mesma identidade.

Veranice: É perceptível que sua linha, o fio condutor, é a infância, a natureza, a liberdade, porque é bucólico, é romântico... é tudo junto.

Barbara: É. A infância, acho que foi muito marcante por ter morado na área rural, porque, por exemplo, quando chovia acabava a luz, né? E era uma coisa que acontecia sempre. Tipo, “Vai chover”, “vai acabar a luz”. Então eu ficava na janela olhando os pingos cair... Sabe essa coisa desse tempo? de você estar na janela, conseguir ver a chuva chegar, o pingo cair, molhar a poeira. Aquele processo todo que hoje as pessoas não tem.

Veranice: É verdade...

Barbara: Talvez hoje, se não tivesse tido a infância que tive na área rural, eu não conseguiria perceber isso.

Veranice: E você falando do pingo caindo me trouxe lembranças aqui, porque era isso mesmo. Tudo muito poeirento, as primeiras gotas levantavam a poeira e formava mini poças, não é isso? Fantástico (Sonhando)

Barbara: É isso... eu tenho uma prosa poética que fala sobre uma coleção que eu tinha de folhas. Eu colecionava folhas de eucalipto, porque perto da minha casa tinha muitos eucaliptos, no outono ficava tudo tão bonito... era tão bonito ver aquilo: “o vento batia e as folhas caiam”, e a gente pegava as folhas no ar. Eu tinha uma caixinha onde guardava as folhas; para a coleção ia a folha “diferentona”, enferrujada, com aquela textura... e era isso. Hoje fico pensando assim: “Como que é tão interessante” ...

Veranice: Olha o tamanho da sensibilidade né Barbara?

Barbara: É, muito. Eu via as folhas caindo e pra mim aquilo era uma coisa muito mágica.

Veranice: Extraordinária!

Barbara: Muito. Muito...muito

Veranice: E assim, esse contato seu com a natureza, e não falo só o de conviver, essa ligação que você tem com a natureza, te permite esse olhar diferente nos seus trabalhos. Isso é perceptível.

Barbara: É, no meu trabalho a primeira coisa que faz a diferença é não ter como prioridade ganhar dinheiro. Sabe porque? Por que na área rural não tinha isso.

Veranice: Esta mercantilização...

Barbara: Não. Era o que? Era ali... para as coisas básicas...

Veranice: Para trocar com os vizinhos...

Barbara: Exatamente. Então hoje eu vejo isso; é o que me dá uma calma maior para realizar as coisas que preciso e quero realizar.

Veranice: Esse é o “Mulher que faz”, eu estou nisso aí. Muito gostoso... (Risos)

Barbara: (Risos) É... A gente vai na contra mão, sabe?

Veranice: Eu sei...

Barbara: Porque tem hora que paro e penso: “Eu estou indo num caminho que não escolhi e não quero”. Todo mundo está em busca de dinheiro, todo mundo... Aí de repente eu e mais uma meia dúzia de pessoas que vai nessa contra mão... é um caminho muito solitário.

Veranice: É... e sem ser muito utópica na ideia, né? É logico que precisamos de dinheiro e tal... é como você disse: “Está todo mundo atrás do dinheiro”, mas a busca está tão feroz que não sobra espaço para a sensibilidade, não tem muito espaço para o outro... é o tempo todo querendo saber como vou tirar de “você”, como vou ganhar com “aquilo” e nessa visão, perde-se as folhas de eucalipto que caem.

Barbara: Perdem totalmente. As pessoas não conseguem entender, perceber...acham que é uma perda de tempo, estas coisas. Até hoje eu gosto, no meu jardim eu plantei um arvore chorona, porque sou apaixonada. O vento bate, as folhas balançam e aquilo me hipnotiza em qualquer lugar que vou. Eu escolhi ter uma, e paro lá e fico só olhando sem pensar em mais nada, quero só ver as folhas balançando. E as pessoas não entendem isso.

Veranice: Você sabe que isso é um ansiolítico natural!?

Barbara: É verdade.

Veranice: Alguns praticantes da respiração diafragmática, ou profunda, dizem que se respirarmos por minutos fixando algo que a gente ama, encontramos a paz, o equilíbrio. Quando você diz que as pessoas não entendem, não entendem muita coisa, né Barbara? E essa falta de entendimento, de interesse, tem afastado as pessoas umas das outras.

Barbara: É verdade. (Reflexiva)

Veranice: Então sim, tem dinheiro, tem carro, consegue-se muita coisa, mas existe muita solidão, um vazio improdutivo.

Barbara: Sim...

Veranice: Quando falou sobre o escritor Rubem Alves, você disse da pausa, né? Uma pausa acompanhada também de “um vazio” que é cheio de muita coisa. Hoje existem pessoas abarrotadas de coisas materiais e totalmente ocas, vazias de companhia e de tantas outras coisas que valem a pena. Sei lá...filosofei aqui. (Risos)

Barbara: É, sobre o que as pessoas buscam, conversando com muitas pessoas percebo que algumas sabem o que querem e não têm coragem de assumir aquele caminho. Na minha vida muitas vezes decidi por caminhos que não me dariam recursos financeiros, e eu sabia que não daria, mas escolhi.

Veranice: Consciente, isto é coragem...

Barbara: É, mas tem os contra né? (Risos). Mas eu acho que tudo é aprendizado. Eu e meu marido conversamos muito, apesar de termos ideias bem diferente (Risos). Em uma dessas conversas, ele questionou porque não fiz um concurso e investi numa área acadêmica, para ter um ótimo salário. Eu não descarto esta possibilidade pelo meu gosto de estudar, mas não vou fazer o que não quero, sabendo que não me traz felicidade... Eu já troquei de profissões várias vezes na vida. Está me estressando? Procuro um mecanismo, faço uma transição e não vou ficar ali naquela área.

Veranice: Aquilo que não te dá prazer, você sai fora.

Barbara: Saio fora.

Veranice: Entendi...Legal (Risos)

Veranice: Barbara fala um pouco sobre seus filhos, que conheço e amo... (Risos)

Barbara: (Risos)Então, abrindo meu coração, né? Eu tenho três filhos e cada um veio de uma maneira totalmente diferente: Vinicius veio de forma inesperada, jamais indesejada, eu engravidei aos dezesseis anos, na época eu era mãe solteira... (risos)

Veranice: Pesado isso, na época.

Barbara: Sim. E como “mãe solteira” eu tive que ir na casa de todas as minhas tias conservadoras para falar que eu estava grávida.

Veranice: Meu Deus (Perplexa ao lembrar desse tempo...)

Barbara: Então era essa época, 1997... lembrando que Prudente de Morais como cidade interiorana, tinha esses costumes, foi inesperado. Dei conta da maneira que eu pude. Vinicius quando veio me trouxe a descoberta de um tumor na tireoide, que eu já tinha a cinco anos e não sabia. Passava mal, fazia exames e era preguiça, era coisa de adolescência...

Veranice: Poucos recursos tecnológicos, né?

Barbara: Bem restrito. Ele me trouxe isso, né? Retirei o tumor no quinto mês, tive uma hemorragia interna e sobrevivemos todos (Risos). Falei assim: “O que tenho que fazer é cuidar do meu filho, porque na verdade quem me deu a vida foi ele”.

Eu sempre tive muita vontade de adotar uma criança. Depois de um tempo, eu e meu esposo casamos no civil para poder entrar com o pedido de adoção porque era necessário união estável ou casamento. Durante esse processo, veio o Lucas como presente de Deus para nós. E em conversa com Deus eu disse que queira ser mãe até os trinta anos e aos vinte e nove engravidei do Vitor. Então eu tive um filho inesperado, um filho do coração e um filho planejado.

Veranice: Que história mais linda, meu Deus!!!

Barbara: Eu não sei o que Deus quer de mim, mas ele me deu oportunidade de viver muitas coisas numa vida só.

Veranice: Estou pensando aqui Barbara, quantas coisas fantásticas, uma menina de dezesseis anos, engravidar, passar por todo um processo vexatório, pesado, mas era o que tinha que passar, continuar estudando, cuidar do filho... E o seu esposo junto?

Barbara: Tudo junto.

Veranice: A sua mãe ou seu pai foi rígido com você? Porque você é dura...

Barbara: Sou. Eu sou dura. (Firmeza para falar e os olhos verdes penetrantes)

Veranice: Está muito evidente.

Barbara: Sou resistente mesmo. Acho que carrego um pouco da história da minha mãe. Ela teve uma infância muito sofrida, um pai viciado em jogos, os irmãos todos alcoólatras, a mãe morreu cedo, morou na casa de um, na casa de outro, morou sozinha e meu avô na roça. Foi uma vida sofrida. Ela não colocou leveza na minha criação, entendeu? A verdade seja dita.

Veranice: Ela não pegou leve com você?

Barbara: Não pegou leve assim, no sentindo de mostrar que a vida pode ser leve. Ela não teve esse diálogo, de me ensinar a ser mulher, ser feminina, não... não teve.

Veranice: Te ensinou a produzir, ser útil.

Barbara: É... E o que eu honro muito, mas hoje, depois dos quarenta, busco esta questão da feminilidade, porque eu não tive.

Veranice: E um par de olhos verdes maravilhosos, né? Quem não conhece vai ver na foto. Uma mulher muito bonita. Quem olha pra você, assim “quietinha”, sem falar nada, sabe? Parece uma menina delicada... (Risos)

Barbara: Risos. É, uma menina delicada que só teve homens na vida, sabe Veranice, a carga masculina, o olhar masculino é diferente.

Veranice: É prático?

Barbara: Muito prático. Eu nem sei como eu consigo observar a folha caindo, porque eu não tive esse ensinamento direto.

Veranice: Isso é do ser, né? É da alma.

Barbara: Pode ser.

Veranice: Mas é possível conciliar o sensível com o firme, não é? Sem precisar ser “melosa”.

Barbara: É. Eu considero que sou uma mulher prática. Eu não gosto de enfeites na parede, pra mim a casa tem que ter poucas coisas para limpar rápido.

Veranice: O conceito minimalista. Na verdade, é pra não dar muito trabalho.

Barbara: É isso. Eu tenho que ter tempo pra sentar no jardim.

Veranice: Barbara fala um pouquinho para nós sobre seu trabalho, a fotografia, as viagens...

Barbara: Então a arte... (Refletindo)

É tudo tão adverso... Eu fui para as exatas, mas eu sou da arte desde a infância. Quando eu fiz seis anos, morando na EMBRAPA ainda, meu pai me perguntou o que eu queria aprender: violão, pintura ou balé. As meninas todas iam para o balé. Eu falei: “Quero pintura” e meu pai falou você “vai querer violão” (Risos).

Eu insisti e vim fazer pintura aqui em Sete Lagoas com Maria Lucia Oliveira, ela era professora de português. E ela pintava coisas miúdas, porque além de tela, nanquim, papel, ela pintava pingentes de porcelana. Então era tudo muito pequenininho, sabe?

Veranice: Delicado.

Barbara: É, delicado. Eu acho que associei muito com as coisas que eu via na área rural, esses detalhes. A arte entrou na minha vida na primeira infância. No início da adolescência eu parei. Mas no Regina Pacis sempre tinha arte, né? Eu era a estudante que dançava na frente, hasteava a bandeira. Depois tive contato com a leitura, a escrita que também faz parte desse universo...

Quando meu pai morreu, em 2014, eu tive uma depressão por luto e decidi ser palhaça de hospital. Entrei na arte de novo, porque fui fazer curso de palhaçaria, palhaça humanitária. Atuei até que o luto curasse, depois do luto curado, minha palhaça perdeu a graça.

Veranice: Mesmo?

Barbara: É sério.

Veranice: Que interessante...

Barbara: A palhaça perdeu a graça e eu não conseguia mais fazer.

Veranice: Então na verdade foi um processo de cura.

Barbara: Foi exatamente um processo de cura.

Veranice: Auto cura e levando a cura.

Barbara: Sim. Quando meu pai estava internado, num domingo de manhã eu estava indo embora para descansar, eu os vi saindo do hospital.

Veranice: Os Doutores da Alegria?

Barbara: É... Os Doutores da Alegria. E aquilo ficou na minha cabeça. Sabe quando você está desesperada, sabe quando vem uma luz?

Veranice: Sei...

Barbara: E eu achei graça e tal... Aquilo ficou e eu procurei esse caminho por isso.

Veranice: E você ficou quanto tempo?

Barbara: Acho que fiquei uns três anos. Eu também sou assim, não sou apegada não. (Risos)

A palhaça perdeu a graça... Acabou a palhaça (Risos)

Veranice: Você é boa para fechar ciclos?

Barbara: É, isso... Então eu disse assim: “Obrigada, tchau e bença” (Risos)

Veranice: Risos...

Barbara: E nesse processo junto com o falecimento do meu pai, eu lá vivendo aquele luto, aquela coisa, aquela tristeza e tendo que dar conta de tudo porque a gente que é mulher tem que dar conta, eles colocam esse “cargo” pra gente, né?

Veranice: E a gente aceita, né? (Risos)

Barbara: Exatamente. Uma colega me convidou para fazer (como trabalho) uma excursão, disse que tinha todo o perfil, sugeriu Inhotim, nunca tinha ouvido falar. E falei: “Não vou fazer viagem, estou triste entendeu? Estou aqui enlutada, me deixa viver meu momento”. Mas, ela insistiu e disse que ia me ajudar.

Como eu havia pedido demissão por ocasião do falecimento do meu pai, eu estava sem fazer nada. Então pensei que poderia ser uma boa alternativa para sair daquele estado, conviver com pessoas e fazer alguma coisa rentável. Fiz e gostei. No início ela começou a me ajudar organizar e depois sumiu.

Veranice: Como uma rodinha de bicicleta quando se está aprendendo... (Risos)

Barbara: Exato, alegou falta de tempo... e eu acabei fazendo e percebi que seria bom pra mim, que sempre gostei de viajar.

Veranice: E é interessante que o seu roteiro é muito especifico.

Barbara: Ele é. Na viagem eu comecei a fotografar os lugares porque não queria fotos da internet para divulgar meu trabalho, queria minhas fotos.

Veranice: O seu olhar....

Barbara: É meu olhar. Eu fotografei patrimônio por muito tempo. Quis mudar de câmera...quis um upgrade, a câmera era cara... Alguém me deu a ideia de fotografar as pessoas durante a viagem, achei que seria uma boa se elas quisessem. Depois surgiram demandas e comecei a fotografar pessoas profissionalmente. Fiz cursos, para aprender as técnicas, o lado da matemática em mim é muito forte... (Riso)

Veranice: Olha só, ela aí.... (Risos)

Barbara: Até que no início da pandemia queria mudar meu olhar de fotografia e comecei a estudar fotografia afetiva.

Veranice: Que delicia

Barbara: Nesse processo eu resgatei tudo da minha vida: O passarinho, a folha caindo, as leituras que fiz e fui colocando tudo... tentando colocar ainda na fotografia.

Veranice: Isso é maravilhoso Barbara!

Barbara: Eu acho que é um processo de satisfação intima.

Veranice: Eu estou vendo um alinhamento pessoal...

Barbara: Exatamente!

Veranice: Como uma árvore, é hora de florescer e frutificar?

Barbara: Dizem que tudo começa aos 40, né? Não sei a simbologia disso, mas pra mim é exatamente isso.

Veranice: E é interessante, porque aparentemente a vida parecia não ter conexão e resultou na “Fotografia afetiva”, que sensível!

Barbara: É... porque na verdade a fotografia é o olhar de quem faz. Tenho que colocar minha história naquela fotografia, não é só mais uma. É uma satisfação pessoal mesmo, não é sobre a pessoa ver sua foto e saber que é sua. Na verdade isto, para mim, é o que menos importa.

Veranice: Você é ótima. (Risos)

Barbara: Essa semana mesmo eu fotografei uma senhora, eu choro, me emociona.

Veranice: Aquela mulher linda que você postou? Deu vontade de abraçar!

Barbara: Ela mesma. Nesse final de semana eu tenho que escrever um texto para não perder tudo que ela me falou. Perdeu três filhos recentemente, todos alcoólatras, então assim, junta as duas coisas, funde a arte com a história da pessoa. Se fosse só foto, eu fotografaria e pronto, mas eu preciso escutar.

Veranice: Mas é porque seu objetivo não é só o registro da imagem, existe uma sensibilidade que é toda sua. Então penso que este é o diferencial, seu trabalho é carregado de sensibilidade.

Barbara: É... tem que ter muito sentido pra mim, tem que mover alguma coisa aqui.

Veranice: Barbara enquanto algumas pessoas ficam sofrendo arrastando correntes em ciclos repetitivos, você disse que não se apega. No seu entendimento qual é o benefício de ter coragem para fechar ciclos?

Barbara: Eu acho que o benefício está muito aliado com a proposta de vida que cada um quer pra si. Eu quero uma vida leve, mas uma leveza não romantizada. Eu acho que o fechar ciclo dá oportunidades de viver coisas que a gente só poderia viver ao tirar a poeira do pé.

Eu já fui instrutora de auto escola, se eu não fechasse esse ciclo talvez eu não tivesse o olhar que tenho hoje para a fotografia.

Veranice: Elenca pra mim as profissões da Barbara (Risos)

Barbara: (Risos) Sou professora, sou instrutora de trânsito, fotógrafa, consultora de viagens, especialista em educação de jovens e adultos, é isso eu acho...

Veranice: Além de mãe, filha e esposa que não é profissão. Estou assustada que já se passaram quarenta e sete minutos e parece que tem cinco. (Risos)

Barbara: A história é longa

Veranice: Hoje você está com quantos anos?

Barbara: 42 anos.

Veranice: Nossa!! Tem muita coisa pela frente ainda, graças à Deus.

Barbara: Quando fiz quarenta e dois me dei um livro de presente da escritora Ana Cláudia Arantes, “Pra vida toda valer a pena viver: Pequeno manual para envelhecer com alegria”. É isso que quero.

Veranice: Essa é a Barbara! Com a sua experiencia de vida, com tudo que viveu e nas coisas que acredita. Que recado deixaria para as mulheres?

Barbara: Nossa!!! Eu acho que é buscar dentro, porque às vezes buscamos muito fora, né? Olhar pra dentro e entender que, por mais que tentamos segmentar a vida, tipo, agora sou mãe, professora, fotógrafa, etc., a vida é totalmente integrada e nós temos que integrar a vida. Temos que buscar essa conexão. E isso reflete na profissão, no que a gente vê da vida. Eu acho que essa busca pelo afeto nos meus trabalhos tende a suprir um pouco dessa dureza que você falou, porque eu não aprendi a dar abraços e hoje quero abraçar de outra forma. Nós já falamos outras vezes sobre esta dificuldade.

Veranice: Já,

Barbara: Pra mim abraçar é um evento, não sou de abraçar toda hora. Mas eu acho que quando nos propomos a fazer coisas que toca nosso coração, vai fluindo e o caminho vai sendo traçado. Eu vejo muito isso comigo

Veranice: Muito bom, sua fala é perfeita. E você hoje é ovolactovegetariana.

Barbara: Sou. Já era uma vontade antiga. Esse ano fazem dois anos que não como carne, industrializados ainda estou no caminho para retirar, mas é um processo. A liberdade de não comer carne faz um sentido muito grande. Volto lá na escola que plantava, tem essa ligação com a vida mesmo. Sobre os ciclos que eu fecho, parece que é uma ferida que cura.

Veranice: Você sente... E vira uma história para você.

Barbara: Uma história sem dor. Acho que acontece com toda mulher (Risos)

Veranice: Ou deveria acontecer (Risos). Fica aí uma dica para as pessoas que lerem sua entrevista, ter esse olhar para o fechamento de ciclo, não como uma morte, mas como processo de cura.

Barbara eu não gostaria de encerrar nossa entrevista, foi muito gostoso te ouvir. Ao final de cada entrevista é esse o sentimento, uma vontade de continuar. Eu te digo, Deus lhe pague.

Barbara: Nossa!!! Eu voltei no tempo aqui.

Veranice: Muito obrigada por participar conosco!

Barbara: A história não é um conto de fadas, mas é real. Estamos todos vivendo a mesma luta e sempre quando estou “capengando”, lembro de Guimaraes Rosa: “o que a vida quer da gente é coragem”.

 
 
 

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