Bianca Diniz Dutra - A mulher que faz acontecer.
- Veranice de Amorim

- 11 de ago. de 2023
- 9 min de leitura
Atualizado: 13 de ago. de 2023

Bianca Diniz Dutra, casada e mãe de um casal de filhos, abre nossas entrevistas do ano de 2023. Assim como as mulheres que já tiveram suas histórias registradas aqui, Bianca vem com a sua narrativa trazer aprendizados, desafios e superação.
Veranice: Eu gostaria que você nos contasse, onde nasceu, sua infância, adolescência... ou seja pontos relevantes que impactam em sua vida ainda hoje... suas raízes.
Bianca: Então, minha família é toda de Cachoeira da Prata. A gente brinca que vínhamos à Sete Lagoas para nascer. Eu nasci aqui em Sete Lagoas, mas a maior parte da minha infância foi em Cachoeira. Me parece que quando eu tinha três anos meu pai veio trabalhar em Sete Lagoas e viemos juntos com ele, ficamos até eu completar seis anos.
Veranice: Que interessante!!
Bianca: Voltamos para Cachoeira e minha mãe estava grávida do meu irmão o Carlos Filipe. Eu tive uma infância muito tranquila, por ser em uma cidade pequena, tínhamos muita liberdade para brincar, tinha os amigos, muita gente por perto olhando. O interessante de cidade pequena é que todo mundo olha todo mundo, né? (Risos)
Veranice: Todo mundo se conhece, são comadres e compadres, sabe filho de quem é... (Risos)
Bianca: Isso mesmo. Hoje criando meus filhos e comparando com a época de minha mãe, eu fico pensando... “Mãe como você conseguia?”, porque somos três, depois veio o Gustavo.
Veranice: Não encaixa muito na cabeça, né Bianca? (Risos)
Bianca: Pois é, não. (Risos)
E meus pais trabalhavam muito, pai ficava o dia inteiro fora de casa, às vezes chegava muito tarde da noite, era motorista da empresa Vela Norte, muitas vezes ele precisava ir ao aeroporto em horários variados. Mãe como professora, também trabalhava muito. Éramos cuidados por todo mundo, tendo os pais como referência, entende?
Veranice: Entendo, embora nem sempre presentes os pais eram o “caminho a seguir” e “os de fora” (como se dizia), o suporte.
Bianca: Um suporte, exato. E foi uma infância assim, protegida, tínhamos os parentes e os amigos. Tenho boas lembranças de brincadeiras, fim de semana na casa da avó, com os tios...
Veranice: Uma infância saudável, né Bianca?
Bianca: Sim, saudável... (Olhar nostálgico)
Veranice: Quando você fala de brincadeiras, e estar com outras pessoas, é correria e pulação próprias da infância, né? Coisa que muitas crianças, hoje não tem.
Bianca: Não tem... Aquele sair da escola, brincar de esconde-esconde na rua, o andar de bicicleta com os colegas, passei por isso tudo e ao mesmo tempo sentia muita responsabilidade por ser a mais velha. Eu ajudava muito, né?
Veranice: A cuidar dos irmãos?
Bianca: Sim, a cuidar deles. Eu acho que da infância para a adolescência isso foi aumentando, sabe?
Veranice: A responsabilidade?
Bianca: Sim. Embora minha mãe sempre tivesse alguém trabalhando em casa, sempre tive minhas obrigações, sempre ajudei muito. Na pré-adolescência, os amigos chamavam, “vamos sair, fazer alguma coisa, brincar... eu respondia: Não - enquanto eu não arrumar a casa ou fizer isso ou aquilo, não posso sair”. Era sofrido, mas era gostoso também, porque muitas vezes uma amiga ia para a casa da outra ajudar, para todo mundo acabar e ficar livre mais rápido (Risos)
Veranice: Pra poder brincar logo (Risos)
Bianca: Exato (Risos). Eu lembro que na fase do ensino médio eu tinha a obrigação de cuidar dos meus irmãos, cuidando sozinha mesmo.
Veranice: Uma dona de casa!!
Bianca: Uma dona de casa muito nova, muito cedo...
Veranice: Você lembra com quantos anos?
Bianca: Por volta dos catorze anos. Me lembro nitidamente da rotina: Acordar, dar banho nos irmãos para ir para escola, preparar e servir o almoço, retirar roupa de cama para lavar, isso tudo.
Veranice: É meio que assumir uma parte da rotina da casa, né Bianca?
Bianca: Sim. Fui tomando essa responsabilidade. Recordo que algum tempo depois, muito mais velha, escutei minha mãe conversando com uma amiga: “Lá em casa eu até não me preocupo não, porque os meninos respeitam mais Bianca do que eu, então ela resolve com eles” (Risos).
Veranice: Uma realidade do momento e do lugar também, né Bianca? (Risos)
Bianca: Sim, sem problema nenhum (Risos). Durante muito tempo me senti mãe dos meus irmãos, hoje analiso que fui mãe, sem saber que estava sendo. O Filipe, meu irmão, às vezes comenta: “Se Bianca não tivesse feito isso” - “Não tivesse me dado aquela dura”. Eu fico pensando, “Eu fiz isso?” (Risos)
Veranice: Será que fiz? (Risos)
Bianca: E logicamente a personalidade foi sendo desenvolvida e ficando a marca da exigente, da durona, da que não pode errar em nada. (Risos)
Veranice: (Risos)E é uma coisa que você mantém até hoje, né Bianca? Responsabilidade excessiva, muito dura, rígida com seus planejamentos e seus compromissos...
Bianca: Sim (Pensativa) Veranice: Excessivamente responsável (Risos)
Bianca: Eu acho que hoje, é mais comigo mesma, do que com outras pessoas. (Risos)
Veranice: Este é o problema (Muitos risos)
Bianca: O outro lado da responsabilidade em casa era a confiança dos meus pais, porque podiam confiar em mim. Minha mãe me incentivava participar de coisas fora de casa, como pintura em tecido, em vidro, em tela... tudo que minha mãe via de diferente na cidade ela me colocava e eu adorava.
Veranice: Entendi, uma compensação saudável.
Bianca: Sim. Participei de forma ativa da catequese, vestia de anjo... Tinha o namoro (Risos), porque eu comecei a namorar com 14 anos.
Veranice: Nossa (Risos)
Bianca: Eu tenho um tio que brinca que ele chegava lá em casa encontrava o Irineu me esperando para namorar e eu na igreja vestindo de anjo (muitos risos)
Veranice: (Risos)
Bianca: Foi um período que uma senhora da igreja resolveu colocar as moças para coroarem Maria. E eu participava de tudo que tinha na igreja que eu podia.
Teve também a banda de música “Sagrado coração de Jesus” que foi muito importante pra mim, existia o processo de realmente aprender música, lendo as cifras e tinha a prova; quem conseguia passar podia escolher o instrumento, eu fechei a prova e escolhi o saxofone.
Veranice: Que chic, é saxofonista!!!
Bianca: Queria ser... (Risos). Na banda de música de Cachoeira eu toquei sax... e viajávamos, participávamos de encontro de bandas, era muito bom... muito gostoso.
Veranice: Que delícia Bianca!!
Bianca: Mas essa não foi uma habilidade que eu consegui manter (risos). Eu tenho muita vontade de pegar de novo...
Veranice: Eu ia te perguntar isso, você não tem um sax?
Bianca: Não, não tenho. Mas tenho vontade de pegar de novo e sentir como vai ser, é muito gostoso...
Veranice: Então fica aí uma boa dica (Risos)
Bianca: E nesse período teve também o INTERACT... (Os olhos brilhando).
Veranice: Fale um pouco sobre o INTERACT, nem todo mundo sabe o que é.
Bianca: Eu sou sócia fundadora do ROTARACT de Cachoeira. O INTERECAT é o grupo de jovens do Rotary Club, é uma associação não governamental que faz trabalhos sociais dentro das cidades e está presente no mundo inteiro.
- Ai gente!!! É um orgulho!!!, “Trem” de adolescência, sabe!? É de lembrar e pensar: ‘Nossa que coisa gostosa’. Fomos convidados, vários adolescentes com idade de catorze anos, eu saí muito animada da reunião e falando que iriamos montar a associação.
Veranice: Você empolga, né Bianca? (Risos)
Bianca: Qualquer coisa boa me inflama com muita facilidade, desafio... Sou muito empolgada! (risos)
E saí de lá assim, animada, montamos o grupo. Sentimos que foi transferida para nós uma responsabilidade. ‘Um bando de adolescentes, posando de gente grande’ (Risos)
De uma forma gostosa fomos aprendendo, por exemplo, na tesouraria aprendíamos a administrar o dinheiro, o que ia investir para o clube e o que poderia ser transformado em projetos sociais. Na época não existia o senso, nós catalogamos todos os idosos de Cachoeira da Prata.
Veranice: Isso com catorze anos!?
Bianca: Com catorze anos, nós criamos um projeto que existe ainda hoje em Cachoeira, se chama “Cerne de Aroeira”.
Veranice: Que lindo nome gente, forte....
Bianca: Eu preciso citar aqui a D. Arlete, ela nos incentivou nesse projeto. Todo dia do idoso fazíamos um almoço com doações da cidade. Mobilizávamos a população, a prefeitura cedia um ônibus que passava recolhendo os idosos que podiam ter um acompanhante... tinha o “forrózinho”
Veranice: Gente... que delícia!!!
Bianca: Sim, muito bacana. Começamos com um almoço, depois tinha apresentações artísticas...
Veranice: Um dia festivo para o idoso.
Bianca: Isso. E tinha premiações. O projeto e o INTERACT existem até hoje em Cachoeira.
Veranice: Nossa!! Que bacana isso Bianca, um projeto que existe e beneficia até hoje.
Bianca: É, e nós valorizamos o idoso e tal... e na cidade tem uma história... Aii, não sei se a entrevista é isso, estou contando... (risos)
Veranice: Vai embora Bianca, conta (risos)
Bianca: Uma curiosidade, em Cachoeira toca o sino da Igreja Matriz quando falece alguém, toca e avisa que faleceu “fulano” e convida. E conversando sobre isso... pensamos: “E se a gente fizesse visita aos recém-nascidos?”. A cidade é muito pequena então dava para fazer isso. Nós acompanhávamos no cartório e ficávamos vigiando e quando o recém-nascido chegava, nós visitávamos, fazíamos uma cesta de acordo com a necessidade de cada família.
Veranice: Dando as boas-vindas!
Bianca: Isso. Dando as boas-vindas ao recém-nascido. E assim as ideias surgiam e nós íamos atuando.
Veranice: Bianca, isso é muito bacana. O adolescente atuante em casa, na rua, na sociedade... integrado, de bem com a vida, convivendo em um grupo saudável e sem muito tempo para outras coisas que fugissem desse âmbito.
Bianca: Não tínhamos muito tempo... Gosto muito de falar da minha criação, sabe? Não tínhamos muitos recursos financeiros, tudo com muita dificuldade, mas meus pais não me barraram em nada. Não existia investimento financeiro, mas existia o apoio. Tudo que eu falava “Vou fazer”, não me lembro de muitos “nãos”. A não ser a questão de namoro, sair à noite (risos)
Veranice: (Risos) Entendo.
Bianca: Não podíamos sair sozinhos, os bailes da cidade, nem todos eu podia participar, enfim..., mas se estava indo para o Interact? A Banda? Um projeto? A família toda apoiando.
Veranice: E isso gera pessoas com autonomia. É como se dissessem: ‘Eu confio em você’, vai lá e participa mesmo, vai ver se é bom.
Bianca: É... Gente... Pensando aqui... Acho que nunca tinha parado para pensar... (Risos)
E nesse período que não sei bem as datas, sei que é adolescência. Teve a capoeira, que foi uma parte muito gostosa que eu não sei dizer se eu tocava na banda e jogava capoeira (Risos). Hoje eu não sei se isso é possível.
Veranice: Naquela época, com certeza. Hoje talvez não (Risos)
Bianca: Então tinha a capoeira, que era um movimento bacana, que nos ensina muita coisa, onde se aprende a autodefesa, os movimentos com seu corpo.
Veranice: A cultura...
Bianca: Sim, valorizar as nossas raízes ali... essa raiz africana que eu gosto muito também. E tinha os encontros, as rodas, viagens... e foi um período muito gostoso também. Foi onde eu conheci o Irineu que é meu marido hoje, com catorze anos começamos nossa história.
Veranice: Bem nova. (Risos)
Bianca: Foi (Risos). Nesse período, uma amiga de mãe daqui de Sete Lagoas, a Nádia, começou a empreender vendendo semijoias e lembrou da gente lá em Cachoeira e levou pra mãe vender. Explicou todo o processo e mãe disse pra ela: ‘Eu não tenho tempo, mas se Bianca quiser e você achar que ela pode’. A Nádia topou e comecei a vender. (Risos)
Veranice: Vendedora de semijoias agora (Risos)
Bianca: Eu estava no ensino médio, vendia na escola. A tarde depois de arrumar cozinha etc. (kkkk). Eu passava na casa dos conhecidos vendendo. Era com isso que eu pagava minha mensalidade do INTERACT...
Veranice: Se mantendo.
Bianca: Fazendo minhas pequenas movimentações. Eu fico pensando assim, que é logico que meus pais me ajudavam, mas eu tinha a sensação de que eu me mantinha.
Veranice: A impressão que está me passando é que você realmente se mantinha, não ficava pedindo ‘Me dá isso ou aquilo’.... Você resolvia.
Bianca: Exatamente, resolvia.
Comecei com a Nádia ganhando comissão de 30%. Aprendi dentro daquela movimentação que eu podia vender as minha semijoias.
Veranice: Olha que bom!!!
Bianca: Encontrei um fornecedor em Belo Horizonte. A minha tia Valdivia já morava em Contagem, eu pegava o ônibus aqui, ela me esperava lá... passávamos o dia inteiro na galeria do ouvidor, chegava em casa precificava tudo e comecei a montar meu próprio mostruário. (Risos)
Veranice: Que isso Bianca!? E no ensino médio?
Bianca: É... não sei como não, mas era. (risos)
Veranice: Coragem (kkkk)
Bianca: Pois é... Nessa época eu já estudava inglês aqui em Sete Lagoas, que era um sonho meu, minha mãe se comprometeu em pagar o básico.
Veranice: Sua mãe sempre incentivando, né Bianca!?
Bianca: Sim. E olha só as coincidências, quando eu formei o básico, pai perdeu o emprego e as semijoias continuaram pagando o inglês.
Veranice: Olha as coisas se encaixando...
Bianca: É, eu pagava passagem e todos os custos para vir. Quando formei o ensino médio, veio a questão da faculdade, o sonho de fazer psicologia, secretariado. Porém, aí já era muito para meus pais, teria que ir para Belo Horizonte.
Veranice: As asas da Bianca já estavam crescendo demais? (risos)
Bianca: É demais, exato. Já era demais. (risos)
Eu senti a limitação. Então para não ficar parada optei pelo magistério lá em Cachoeira, que era o que mais se aproximava do que eu queria. Eu não queria ser professora (Risos), e eu ia para o inglês pensando que se eu tivesse que ser professora tinha que ser em uma escola de línguas (risos)
Veranice: Mal sabia dos planos de Deus (risos)
Bianca: (Risos), não é?
Fiz o magistério a noite em uma escola particular em Cachoeira. Antes de me formar, o diretor precisou de um professor de inglês, como eu podia, comecei dar aulas de inglês pela manhã.
Veranice: Meu Deus...
Bianca: Exato (risos), sempre foi assim. Sempre pensando na necessidade de trabalhar, ter dinheiro. E a habilidade de ensinar me acompanhava, porque no ensino médio sempre gostei de ensinar, apresentar trabalho, fazer grupo de estudos.
Veranice: Pra frente demais... (risos)
Bianca: É, sempre foi assim (risos). Desse modo, antes de formar estava dando aula de inglês, e no curso de inglês, dava monitoria. Sempre focando na necessidade de recursos, as oportunidades foram aparecendo, eu tinha habilidade, ia pegando.
Veranice: Pegando as oportunidades.
Bianca: No final, o meu curso de inglês eu já pagava com a monitoria que dava lá. E com essa monitoria, veio o treinamento no Rio de Janeiro para trabalhar no CCAA (Centro de Cultura Anglo Americana) e fui indo...
Fiz faculdade de letras, fazendo faculdade e dando aulas no CCAA com muito empenho, com essa empolgação, que você conhece.
Veranice: Conheço bem, empolgação que é uma de suas características, que particularmente, adoro.
Bianca: Fui me envolvendo cada vez mais no CCAA e cheguei a ser sócia da franquia aqui em Sete Lagoas. Fiquei muito tempo como professora e sócia. Isso já era a fase adulta, fazendo faculdade, vendendo semijoias, e o Irineu no meio de tudo, incentivando, ajudando montar mostruário, vendendo junto, viajava junto, era a forma de estarmos juntos...
Continua...





Fiquei encantada com o dinamismo da Bianca. Que história!!! E a condução da Veranice torna o diálogo leve e fluido. Uma delícia de se ler! Parabéns!!!